Carlos Vidal é um dos mais prolíficos teóricos de arte nacionais e a sua incessante atividade teórica tem sido acompanhada por igualmente insaturável vontade editorial e disposição pública.
Em Portugal conta já perto de uma dezena de volumes publicados em nome próprio, mas a amplitude e complexidade temática da sua obra recente já lhe valeu a 3a edição da obra Deus e Caravaggio – A Negação do Claro-escuro e o Nascimento dos Corpos Compactos em Espanhol (por cá já tinha sido publicada pela Vendaval em 2011 e reeditada pela Imprensa da Universidade de Coimbra em 2014).
Agora, uma edição Espanhola do seu último livro (publicado em Portugal em 2016 pela Fenda) Invisualidad de la Pintura – Una História de Giotto a Bruce Nauman em dois tomos. No total soma 1107 páginas, esta versão da Brumaria, editora Ibérica a quem Vidal tem estado ligado. Apenas disponível em Portugal na livraria da Culturgest que distribui este livro em exclusividade, esta edição aprimora aquilo que já era evidente na primeira edição Portuguesa: uma obra de enorme fôlego histórico e teórico, que se propõe a dissecar um conjunto de movimentações que operaram no contexto das artes visuais a partir da idade média tardia e desembocam na contemporaneidade, que dizem respeito a uma característica determinante para a identificação da sua condição pensativa: a invisualidade.
Vidal é lacónico na introdução do primeiro volume ao afirmar que “o presente estudo, de novo considerando o seu título, ao apontar um conceito determinante para a definição daquilo que é proposto, vincula-se a uma argumentação em torno desse conceito, mas também de conceitos afins e outras distinções oportunas. De outro modo, talvez mais do que determinar as marcas invisuais na pintura, pretende-se descrever a pintura (toda a pintura) como coisa invisual (…) será proposta uma distinção entre invisual (ou invisualidade) e invisível (ou invisibilidade); desenvolvendo ainda mais, o invisual será apartado do visível e do visual; concluindo, o invisual diverge equidistantemente do visual, visível e invisível – quatro tópicos de particularização decisiva…”.
Este concisão introdutória não é de todo a assinatura de Carlos Vidal, a quem conhecemos uma grande predisposição para longas tiradas argumentativas e neste caso, a um encadeamento de ideias que pela complexidade e alcance têm de ser compartimentadas em capítulos e subcapítulos que permitem ao leitor a sua utilização como estrutura divisória da tessitura argumentativa proposta. E que importantes são as partições propostas por Vidal, que nesta edição contam logo com uma grande diferença em relação à primeira edição portuguesa, num único volume, e que aqui se apresenta dividida em dois volumes que explicam à partida o intuito de cada uma das partes da investigação. Ora neste primeiro tomo da edição espanhola, que corresponde ao que na anterior versão se chamava de parte I, temos um livro composto por cinco capítulos, subdivididos em sessenta e sete unidades nas quais Vidal discorre acerca do tema da Verdade. E é verdadeiramente espantoso o itinerário que nos oferece, tentando (e aqui a palavra tentar não serve para iludir o modo e o ritmo a que Vidal escreve – os ritmos da escrita e o fôlego das frases longas e sinuosas acompanham o aparato do conteúdo) oferecer-nos interações temáticas e conceitos que permitam arrazoar a noção de verdade, ou as noções de verdade – porque aqui passa-se da filosofia e da literatura à matemática e à religiosidade, regressando sempre à arte, ou nunca saindo verdadeiramente do seu território.
De Aristóteles e Platão a Badiou e a Heidegger, dos livros do Zohar a Peirce e daí a Gödel até chegar a Shklovski, tudo é sujeito a ser convocado por Vidal para esta grande reunião (a escrita de Vidal é panteísta) que tem como objetivo explicar que a Verdade é uma categoria transitória sujeita a modelações ontológicas (disciplinares).
E que a arte se relaciona com esta noção através da admissão de uma ontologia poética que apenas existe num nexo de produção infinita de representações, ou seja, de verdades. Este primeiro livro serve assim para nos preparar metodologicamente para o que nos é proposto no segundo livro, composto por duas partes: uma primeira dedicada à Invisualidade, e uma segunda onde Caravaggio, Rembrandt, Velázquez, Manet, Duchamp, Vito Acconci ou Bruce Nauman são trabalhados, ou melhor, evenementalizados, para usar um neologismo tão caro a Vidal, que sistematiza a possibilidade de cada um destes autores, através de obras chave como, A vocação de Mateus, Ressureição de Lázaro, O Aguadeiro de Sevilha, Etant donnés ou Raw Materials, poderem na sua essência conduzir a uma explicação do acontecimento pictórico enquanto categoria litigante da visualidade.
Terminamos, e a leitura destes dois livros não termina nem se completa, antes inicia-nos numa conversa infinita com definições, conceitos, articulações e autores, que por agora mantém a questão da prática artística em aberto, pois essa será a sua verdadeira natureza. Tal como o aforismo de Heráclito, que Vidal cita no frontispício de um capítulo sobre Arte e Verdade, que evidencia o seguinte paradoxo: “Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos.”. Assim é a condição visual ou ótica da história da arte proposta por Carlos Vidal.
Artículo original, publicado en Contemporânea.
Invisualidad de la pintura. Una historia de Giotto a Bruce Nauman, se encuentra disponible a la venta en nuestra tienda online.